E se houvesse TV na época de Jesus?
Quais são as consequências de vivermos o Evangelho
na mesma época da História em que existe a televisão? Será que há alguma
relação? Será que a TV afeta de algum modo a forma como pregamos e como o mundo
recebe a nossa mensagem? TV ajuda a causa de Cristo? Ou atrapalha? Perguntas
difíceis de responder, admito, e é exatamente por isso que desejo pensar junto
com você sobre o assunto ao longo das próximas linhas. Antes, quero deixar
claro que não creio que a televisão seja a “caixinha do diabo” nem que assistir
a televisão seja pecado. No entanto, existem fatores envolvidos no processo de
elaboração daquilo a que assistimos e na forma epistêmica como eu e você
assimilamos o que é transmitido que têm relação direta com a nossa maneira de
lidar com o Evangelho de Jesus Cristo.
Sendo objetivo, acredito que a televisão é uma
praga dos nossos dias. Falo com um certo conhecimento de causa, afinal
trabalhei nove anos na principal rede de televisão do país, como redator e
editor de determinados programas. Se fosse contar todas as histórias sobre o
que vi e vivi nos bastidores da TV e relatasse como muitos dos programas a que
você assiste são feitos… provavelmente você nunca mais assistiria. Que é
exatamente o que eu fiz. Já tem cerca de sete anos que optei por não assistir
mais a telejornais, por exemplo. Novelas, a última que vi foi “Roque Santeiro”.
Seriados, a esmagadora maioria… não, obrigado: sinto-me incapaz de ser cristão
e rir, por exemplo, com as baixarias sexuais de séries como “Two and a half
men”. Programas de auditório, me perdoem, mas creio que meu cérebro tem algum
valor para ficar enchendo-o com aquele lixo. Videocassetadas? Isso para mim
então é um grande mistério: como cristãos que deveriam amar o próximo e chorar
com os que choram caem na gargalhada vendo seus semelhantes em situações de
dor, humilhação e sofrimento? Não entendo. Fato é que a televisão tornou-se uma
ferramenta tão burrificante da sociedade que as pessoas nem ao menos conseguem
ter distanciamento suficiente para perceber isso. A esmagadora maioria realmente
acredita que o “Fantástico” é o show da vida. Que o “CQC” é um programa genial.
Que o “Pânico na TV” é engraçado. A televisão é uma tecnologia tão paralisante
– inclusive para aqueles que fazem parte da Igreja – que às vezes me pego
pensando o que teria acontecido com o Evangelho se a TV existisse na época de
Jesus. Não seria interessante pensar sobre isso? Convido você então a entrar na
máquina do tempo e fazer junto comigo um exercício de imaginação.
Televisão graças a Deus é algo que tem menos de cem
anos de vida. Se tivesse sido inventada na época de Jesus provavelmente os
apóstolos estariam tão envolvidos com os jogos do campeonato israelense de
futebol que não teriam tempo para pregar a Palavra. “Poxa, Mestre, vamos ficar
aqui por Cafarnaum mesmo, hoje tem XV de Jericó contra o XV de Samaria”, diria
Pedro. Jesus esperaria pacientemente o fim do jogo e, após o apito final,
quando fosse sair para pregar… “Peraí, Mestre, rapidinho, que agora vai ter a
mesa redonda”.
No Sermão do Monte, não haveria mais do que dez
pessoas ouvindo. Afinal, seria dia de jogo de vôlei de praia na arena montada
às margens do Mar da Galileia e, vamos combinar, quem é que ia querer ficar
horas sob o sol para ver alguém multiplicar pães e peixes se podia juntar a
familia no quintal de casa, fazer um peixinho na brasa e um pão no alho e
comemorar a vitória do seu time asistindo pela TV ao show do intervalo?
As parábolas de Jesus passariam despercebidas.
Convenhamos que não teria graça nenhuma ficar ouvindo historinhas contadas
verbalmente uma vez que na TV haveria seriados cheios de ação e adrenalina,
como “Law and Order Sião”, “Zelotes fora da lei” e “Na mira da lança”. O povo,
acostumado aos efeitos especiais e às recriações de histórias com atores
famosos e muita computação gráfica, não veria graça nenhuma nas parábolas de
Jesus, que teriam a pretensão de estimular nas pessoas uma coisa tão antiquada
e em desuso como é a imaginação. Nada disso: o grande lance seriam os seriados
com roteiros eletrizantes, filisteias seminuas e gladiadores que fariam suas
próprias cenas de ação, sem dublês.
Os fariseus não conspirariam contra Jesus tentando
pegá-lo em alguma blasfêmia – isso seria um modus operandi antiquado demais
para a era da tecnologia. Lançariam sim uma campanha difamatória pelos
telenoticiários, tentando desacreditá-lo junto à população. Para isso,
acertariam em reuniões com executivos das emissoras de TV uma troca:
investiriam pesado em anúncios nos intervalos comerciais e, em contrapartida,
teriam a garantia de uma cobertura nada favorável ao ministério de Jesus. Logo
surgiriam aqui e ali reportagens dizendo que Jesus tentou assediar a
samaritana, que ele furtou dos cambistas do templo e que teria um filho
ilegítimo com uma mulher em Caná para quem não pagava pensão. O Israel Repórter
especial sobre sonegação de impostos apontaria Jesus como tendo dito “a César
nada do que é de César e a Deus o que também é de César” – com diversos
entrevistados corroborando terem presenciado essas afirmações e câmeras
escondidas que mostrariam Jesus curando pessoas no sábado. Logo, o Senhor
estaria sendo alvo da CPI da Taxação, liderada por Mateus, o publicano
(naturalmente subornado para difamar o Mestre em troca da concessão de um canal
de TV em alguma cidade do interior). Sim, o fascínio do poder da televisão
criaria novos traidores.
A manipulação midiática seria tão grande que os
jovens (incapazes de pensar por si mesmos, de tanto que em vez de ler bons
livros gastariam seu tempo engolindo programas para adolescentes como “Malhação
Judaica”) iriam para as ruas com as caras pintadas, exigindo a crucificação
daquele arruaceiro. O Sinédrio poria Pilatos contra a parede, ameaçando-o com
uma CPI (amplamente noticiada em todos os telejornais, claro, para acabar com
sua carreira política), a não ser que ele cedesse e acabasse com a raça de
Jesus. Temeroso de seu futuro político e da influência da mídia, Pilatos então
mandaria açoitar Jesus.
Mas os anunciantes quereriam sangue! Afinal, Jesus
transformou água em vinho e o lobby dos fabricantes de água mineral era forte
em Israel, dada a escassez de água no território desértico. As grandes
corporações da indústria de água mineral ameaçarariam as emissoras de TV de
suspender o merchandising nas transmissões ao vivo dos eventos esportivos e os
anúncios durante os programas de auditório de domingo. Até mesmo sugeririam que
transfeririam suas contas milionárias para as redes de TV concorrentes da
Filístia e da Galácia, onde sábado não era dia santo e por isso havia
transmissões normais de televisão – ao contrário de Israel. E as emissoras da
Palestina não poderiam arcar com esse prejuízo.
A gota d’água seria quando Judas concederia uma
entrevista exclusiva, em que faria revelações bombásticas no telejornal das
oito, denunciando Cristo e toda sua quadrilha. Com voz distorcida
eletronicamente e o rosto em sombras, Judas incitaria a revolta popular contra
o Messias, o que levaria diferentes grupos da sociedade a se levantar e
organizar marchas contra a impunidade do tal subversivo, amplamente divulgadas
por coberturas ao vivo na TV. Enfim, pressionado pela campanha das emissoras de
TV e o lobby das indústrias de água mineral, Pilatos lavaria as mãos (claro que
com a água da marca patrocinadora da transmissão ao vivo do julgamento, com
direito a close do rótulo da garrafa em horário nobre) e sentenciaria Jesus à
cruz. Não sem antes negociar os direitos da transmissão da crucificação com
quatro emissoras diferentes de TV.
Mas fato é que a transmissão da crucificação
acabaria sendo um fracasso em termos de Ibope. Por uma mera questão de timing:
afinal, um evento tão comum como a execução de mais um rebelde judeu ganharia
no máximo uma matéria de 30 segundos no jornal da tarde e, como acontece com
todas matérias que vemos nos telejornais, o público esqueceria no dia seguinte.
Se tanto. Provavelmente no mesmo dia. E, depois de anos transmitindo ao vivo
crucificações, com comentários, replays, tira-teimas e repórteres no local
entrevistando centuriões, parentes das vítimas e outros envolvidos naquele espetáculo,
a coisa teria caído na mesmice. Quem queria ver mais um crucificado? A TV já
mostrava tanta violência que aquilo tinha virado um entretenimento banal.
Ninguém mais se importava com um morto a mais ou a menos. O público
telespectador salivava por algo novo! A próxima novidade! O próximo show da
tarde! A emissora até tentou convidar o médico Drauzio Varela para fazer
comentários sobre a evolução do desfalecimento do condenado minuto a minuto,
mas nem isso serviu para aumentar a audiência. Não, o público já não dava a
mesma atenção e, com a queda no Ibope, as emissoras decidiram que transmitir
crucificações já não era mais um bom negócio. Após a quarta temporada do “Show
da Cruz”, o grande lance agora era a transmissão de corridas de bigas, que,
afinal, tinham mais anunciantes.
Morreu então Jesus. Os direitos de transmissão ao vivo do sepultamento
foram negociados em sigilo com José de Arimateia e os valores não foram
divulgados para a imprensa, embora analistas econômicos especulassem com base
em todo tipo de gráficos e projeções. Repórteres e
equipes de TV se posicionaram na entrada do sepulcro, buscando o melhor ângulo
para mostrar o evento. A expectativa era grande, afinal esperava-se o tal
terceiro dia e a anunciada ressurreição. Quando afinal o terceiro dia chegou
ocorreu então um grande terremoto, os soldados que guardavam a entrada fugiram,
a pedra rolou e… as equipes de reportagem todas saíram correndo para fazer a
matéria do momento: o terremoto que tinha devastado a região, deixado milhares
de mortos, provocado desabamentos e mobilizado a população. O morto era notícia
velha. Que ressurreição o quê, o que dava Ibope agora eram as histórias de
sobreviventes sob os escombros e cachorrinhos que vagavam por Jerusalém à
procura de seus donos, mortos na tragédia. Jesus caiu no esquecimento.
Assim, quando ele saiu do sepulcro, havia um
silêncio sepulcral no local. Ele esperava encontrar as mulheres que deveriam
ter ido embalsamá-lo, mas… onde estavam elas? Em casa, naturalmente, pois,
afinal, não dá pra competir com o último capítulo da novela, não é? Meio
decepcionado, o Senhor – já ressurreto – foi então ao encontro dos discípulos
na estrada de Emaús. Começaram a caminhar juntos pela estrada, comentando o
último episódio da temporada de “House”, embora Jesus quisesse falar sobre os
últimos acontecimentos em Jerusalém. Mas House e Cuddy estavam tendo um caso e
não há Salvador do mundo que consiga ser mais interessante aos olhos do público
do que algumas cenas picantes de sexo. Enfim os três chegariam à casa em Emaús
e os dois constrangeriam aquele acompanhante a passar a noite com eles.
Entrariam na casa e, na hora que Jesus partisse o pão… nada aconteceria.
Ninguém o reconheceria. Simplesmente porque, como tinha se tornado hábito entre
todas as famílias da Palestina, estariam todos jantando com os olhos totalmente
pregados na TV, acompanhando “A Grande Família Judaica”. Nem repararam quando
Jesus sumiu do ambiente, supondo que, provavelmente, tinha aproveitado o
intervalo para ir ao banheiro.
Jesus então subiria aos céus, sob os olhares
atentos daqueles que ficariam especulando se a ascensão era fato ou um truque
de computação gráfica feito à base de efeitos especiais com cabos e chroma key.
“Afinal, na era da televisão não dá pra acreditar em mais nada que se vê,
né?!”, comentou alguém.
A Igreja da época da televisão começaria então a se
propagar. Reunidos no cenáculo no dia de Pentecostes, três discípulos
receberiam poder do alto (os outros 117 estariam na praça central de Jerusalém,
assistindo no telão que a prefeitura montou à transmissão ao vivo de um show de
Roberto Carlos – e com isso não há quem consiga competir). Pedro bem que tentou
fazer um discurso para os povos ali reunidos para a Páscoa, mas não teve muito
sucesso: começaram a mandar que aquele chato calasse a boca, afinal estava
atrapalhando o programa, justo quando o rei da jovem guarda pretoriana cantava
“Detalhes”. E quando, terminado o programa, os povos perceberam que aqueles
cristãos estavam falando em outras línguas, alguém sugeriu com bom humor que
ligassem a tecla sap.
Em seguida, começariam as viagens missionárias.
Paulo e Barnabé teriam um sério desentendimento a respeito de qual participante
do Big Brother Israel deveria ter saído da casa naquela semana e por isso não
conseguiram mais fazer a obra juntos. Paulo perderia constantemente o barco que
o levaria às cidades seguintes em suas três viagens, viciado que estaria em
ficar até tarde assistindo ao Programa do Jô. E, convenhamos, uma igreja a mais
ou a menos pra fundar não faria diferença, afinal depois era só transmitir o
culto pela televisão. Ou por aquela nova tecnologia que estava surgindo, uma
tal de internet.
Pensando nessa questão de transmitir o culto pela
televisão, Paulo teria a brilhante ideia! Em vez de sair viajando por aí, o que
era muito cansativo e fazia com que ele perdesse muitos episódios do “Video
Show”, tudo o que ele teria de fazer era alugar espaços nas emissoras de TV e
pregar o Evangelho a partir de um estúdio com ar condicionado localizado em
Antioquia, com alcance para toda a Ásia Menor, por cabo ou via satélite. Que
ideia primorosa! Ele escreveria algumas epístolas e mandaria como brinde para
os irmãos que se tornassem parceiros de seu programa, concendendo-lhe doações
generosas para manter o programa no ar. Pronto! Que viagens que nada! Bastaria
se sentar atrás de uma mesa em um estúdio, pregar no primeiro bloco e vender
DVDs com mensagens no segundo para manter seu ministério e pronto, estava
cumprido o ide de Jesus. Ô glória!
Chegamos então ao Apocalipse, com o apóstolo João
tendo sido condenado ao castigo mais severo que poderia haver naqueles dias.
Apesar de ter rogado ao imperador que lhe impusesse uma pena mais leve, como o
apedrejamento, a decapitação ou a crucificação, o pobre João recebeu a pena
máxima: a prisão na ilha de Patmos onde, para seu terror absoluto, não havia
TV! Nem a cabo, nem via satélite… nem mesmo TV aberta que fosse! Horror total!
A suprema tortura! Dizem até que João ficou tão transtornado por ter que viver
sem televisão que, na falta do que fazer, resolveu até orar – veja você.
E aqui acaba a fantasia.
Te convido então a uma reflexão séria, a partir
dessa fábula jocosa, mas não tão distante da realidade: se a TV existisse na
época de Jesus, em que ela teria ajudado na propagação do Evangelho? Ou será
que teria atrapalhado? Naturalmente, isso nos conduz à próxima pergunta: e
hoje? De que modo a TV tem contribuído para a causa do Reino? O que ela tem
feito pela formação e a edificação dos cristãos? De que modo tem sido uma
ferramenta útil para o Evangelho? Será que ela tem ajudado de fato? Ou será que
ela só atrapalha? As respostas você descobre após as cenas do próximo capítulo.
Ou, quem sabe, após uma ponderada e demorada
reflexão. Coisa que o indivíduo que passa muito tempo vendo TV nunca consegue
fazer.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Maurício Zágari